Incrédula com o nível de idiotice de Maximiliam, repeti o tapa na nuca dele, só que mais forte. Ele foi para a frente com o impacto, mas não dei importância. Se eu realmente quisesse machucá-lo, teria feito coisa pior.
— Ei, orelhudo, não viaja. Não vamos ficar aqui, mas voltamos amanhã bem cedo — me levantando e o ajudando a fazer o mesmo, ajeitei minhas roupas e fui em direção à porta — Ô, pessoas, volto amanhã. Não ousem desaparecer daqui, ou eu os caçarei nem que precise ir até o inferno. Eu e o pirralho vamos para uma hospedaria não muito longe daqui, e lá passaremos a noite. Como eu já disse, vou aparecer aqui bem cedo e espero vê-los de pé.
Indo para fora, vi que já escurecia e o frio aumentara um pouco. Fiz um sinal para que Maxim, que já estava antecipadamente emburrado, andasse mais perto de mim. Começamos a caminhar e não vimos nada anormal pelo começo do caminho, apesar de que aquela área realmente não era segura, principalmente à noite.
Prosseguimos, andando um pouco devagar por estarmos cansados. Depois de alguns poucos minutos, enxergamos uma luz amarelada ao longe. Apressamos consideravelmente o passo e alcançamos a hospedaria, que ficava logo numa das entradas da vila.
Como esperado, era uma taverna no andar debaixo, um pouco diferente da Taverna do Velho, e a hospedaria com os quartos era em cima. O que mais havia por lá eram bêbados, como sempre. Atravessei o salão com o meio-elfo em meu encalço e sentamos ao balcão. Logo, um senhor de meia-idade veio nos receber, enxugando alguns copos com um pano de prato.
Arrumei algo para Maximiliam comer e para mim também, uma sopa de alguma coisa que não faço a menor ideia do que seja, só sei que não era horrível — dava para engolir, pelo menos. Após ele reclamar imensamente sobre o gosto do alimento, paguei pela estadia da noite e pelo que comemos e nós dois fomos para o quarto.
Era um comum e simples quarto de hospedaria. Havia duas camas, uma disposta de um lado do quarto e a restante do oposto, com três poltronas perto de uma lareira e alguns pertences que provavelmente os últimos clientes largaram por ali — resumindo, algumas adagas quebradas, papéis rabiscados, garrafas de bebida e velas derretidas sobre a cabeceira de uma das camas.
Enquanto Maxim tomava um rápido banho, fiz alguns curativos — péssimos, por sinal, mas era melhor do que ter que me rebaixar e pedir ajuda para alguém — e tirei as botas dos pés. Naquele dia, eu vestia apenas uma camisa longa, branca — que já ficara quase transparente de tanto que eu usara —, colete marrom com bolsos e calças compridas, também marrons, com botas altas. A parte de trás da minha boca ainda doía consideravelmente por causa do dente recém-perdido, e isso me dava uma raiva imensurável.
Eu ainda resmungava sobre isso quando Maxim berrou alguma coisa sobre eu entregar sua bolsa para que ele pegasse suas roupas, lá de dentro banheiro. Debochando, falei de volta:
— Sai pelado e pega, não sou sua empregada.
Ouvi a maçaneta do banheiro abrindo e me assustei, achando que o pirralho iria sair de lá nu, mesmo. No final das contas, ele botou a cabeça para fora e, com cara de choro, praticamente implorou que eu levasse o troço. Enquanto vi apenas seu rosto atrás da porta, reparei em algumas runas estranhas desenhadas desde seu pescoço até toda a extensão de seu braço, feitas de uma espécie de tatuagem roxa. Se fosse uma pintura, provavelmente teria saído enquanto ele tomava banho, mas não saiu. Estranhei aquilo, apanhando a bolsa dele e me aproximando da porta.
— O que é isso no seu ombro? — falei, franzindo o cenho e dando a mochila com as roupas para ele. Assim que Maxim encostou na bolsa, o garoto entrou e fechou a porta rapidamente — Não bata a porta na minha cara, seu pirralho maldito!
Tentando ignorar aquilo, voltei para a cama onde eu estava sentada e separei algumas roupas para colocar depois que eu tomasse banho. Arrumei uma regata também branca e uma bermuda verde escura, além do resto — afinal, eu iria me cobrir e havia ainda o calor da lareira para aquecer o quarto durante a noite. Depois que Maxim saiu do banheiro, já vestido, não disse uma palavra e se jogou em uma das camas. Decidi não perder meu tempo mexendo com ele e fui tomar meu banho também, levando as roupas e uma toalha minha comigo.
Nada anormal foi visto ou ouvido enquanto eu fazia isso, além das risadas de bêbados no andar de baixo. Troquei as roupas após terminar o banho e ouvi Maxim roncando sonoramente. Fiquei com vontade de perturbá-lo, mas não fiz nada. Dei uma leve enxugada no meu cabelo, percebendo que já passara da hora de cortá-lo um pouco — para dizer a verdade, eu percebia isso todos os dias, mas sempre faltava tempo para que eu pudesse fazê-lo.
Não dei importância para o fato de que eu dormiria com os cabelos úmidos e poderia acordar resfriada. Eu já estava toda lascada, mesmo, então algo a mais ou a menos não faria a menor diferença. Deitei em minha cama, ainda ouvindo o ressoar de alguma briga que ocorria lá embaixo, e pensei em algumas coisas aleatórias por algum tempo. Afinal, havia acontecido muita coisa em um dia só e eu precisava processar todos os acontecimentos.
No final das contas, meus únicos pensamentos eram relacionados a quebrar a cara da Lyanna, não que isso seja importante... Acho que nada relacionado a ela seja importante, para dizer a verdade. Depois disso, percebi que seria um pouco impossível dormir com aquele barulho todo vindo da taverna, então me levantei, desci e dei uns berros para que os bêbados falassem mais baixo, atirando os pertences do último cliente nos mais baderneiros. É, deu certo.
Quando pude retornar ao quarto, deitar e pegar no sono, sonhei com algumas coisas das quais nem mesmo me lembro e algo que talvez nem tenha tanta importância, mas mencionarei. Eu estava numa espécie de templo enorme e uma elfa altíssima, de rosto fino e longos cabelos esverdeados, trajando belas vestes compridas e descalça falava algo sobre eu ter que me afastar do filho dela. Devo ter falado alguma porcaria para ela, já que a doida conjurou alguma magia de um tipo que eu jamais havia visto antes e me atacou. Após isso, mais nada.
Assim que acordei, vi que devia ser quase três horas da manhã. Levantei-me cambaleando e fiz o que sempre fazia, sobre trocar de roupas, escovar os dentes e arrumar minha mochila outra vez. Deixei Maxim dormindo e coloquei meus pertences aos pés da cama dele. Saí do quarto, desci as escadas e vi a bagunça que os clientes da noite anterior haviam deixado de presente para o taverneiro.
Saindo de lá, devo ter ficado treinando investidas com minhas espadas em árvores no escuro até umas cinco horas. Suando, subi e dei uns cutucões em Maxim para que ele acordasse e se aprontasse para voltarmos à casa dos tais Caçadores. Enquanto ele resmungava e se recusava à levantar, repeti o banho e, depois de ajeitarmos tudo, saímos e refizemos o caminho para o local.
Chegando, a casa ainda estava fechada e silenciosa, então imaginei que todos estivessem dormindo. O sol não havia aparecido completamente ainda, mas já estava claro o suficiente para enxergarmos tudo muito bem. Minha vontade era arrombar a porta, pegar um balde de água e atirar na preguiçosa Lyanna, mas isso seria um desperdício de água — alías, não é de meu feitio entrar nas residências dos outros sem ser convidada.
Por isso, me sentei, esperando ocorrer algo que denunciasse que eles estivessem acordados. Fui obrigada a dar alguns cutucões em Maxim de minuto em minuto para que ele não dormisse outra vez.