Taverna do Velho

— Você deve estar brincando, Ragil. É claro que não vou ficar aqui — respondi, sério. Não dei atenção para a cara que ela fez e me levantei, porém cambaleei um pouco. Apoiei a mão na parede e caminhei até o resto do pessoal. — Eu vou com vocês. Não quero saber se vai deixar ou não. Acha mesmo que vou ficar aqui com essas meninas? Não sou uma criança.

Eu já estava bem irritado por ela me tratar desse jeito. Todos falavam daquele modo sendo que não eram muito mais velhos do que eu. Principalmente Lyanna, que era menor que um grão de arroz e disse ter dezesseis anos. Fui para perto do albino — por algum motivo, senti que ele não iria tirar sarro da minha idade ou algo do tipo. Ele parecia até o mais legal do grupo, para dizer a verdade. Não me importei com a possibilidade de Ragil me proibir de fazer algo ou não; eu ajudaria e ponto final.

Foi inevitável, mas sorri com a resposta que Yuusha me dera. Ele realmente estava ciente do quão importante são as informações que ele obtém, por mais que ainda não estejam claras para si. Talvez eu estivesse sendo uma inocente por ter tanta fé em simples palavras, pois, no fundo, eu sabia o quanto as coisas podiam ser perigosas; o que faria dessas palavras vazias. Ainda sim, queria muito acreditar que aquilo seria verdade.

Alyssa veio até mim, e perguntou o que faríamos em seguida. Eu mesma não tinha uma resposta concreta. Talvez "vamos embora logo dessa merda" não fosse o mais apropriado pra situação, então resolvi relaxar. Hoje eu estive preocupada demais, mas cansei disso. Sentar e conversar enquanto os outros dão duro podia não ser o mais certo a se fazer, mas era o que eu, sinceramente, queria.

Pelo o que vi, Maxim tomou uma atitude e decidiu que seguiria os outros três. Bom, ele não é responsabilidade minha; cabia à Ragil decidir se ele ficaria ou não. Se ele fosse, seríamos apenas eu e Alyssa. E também Lunairetic, caso ela não quisesse se juntar a eles também, ou tivesse outros compromissos.

— Não precisamos ter pressa, não é mesmo? Vamos poupar energias. — sorri. Em seguida, retornei ao balcão. Peguei uma garrafa de saquê, e caminhei com ele na mão até Alyssa. Eu não era de beber, mas minha companheira sim. Estendi-o, oferecendo para ela, esperando que pegasse. — Depois podemos voltar para casa, se quiser. Mas já faz um tempo que não paramos pra conversar numa boa, ou não tão boa, taverna.

— Ele vai ficar. E vai ficar bem quietinho — retruquei. —, ou pode dizer adeus às suas queridas orelhinhas. Nightingale, vamos logo.

Dizendo isso, virei-me e saí na frente. Não posso dizer que corri, pois estava cansada, mas tentei andar um pouco mais rápido do que normalmente andava. Refiz o ritual rapidamente para arranjar novas espadas — as antigas foram para as cucuias graças ao cabeçudo homem das chamas — e as embainhei com destreza, deixando-as prontas para rasgar a pele do ladrão safado.

 Observei Ragil se oferecer para ir comigo, logo depois Yuusha e finalmente o meio-elfo, porém Ragil o proibiu. Lyanna nos deixou ir e então pegou informações sobre a aparência do ladrão. "Jovem, loiro e olhos azuis", alguém estava querendo me plagiar.

 -Bem, - Olhei para Lyanna e Alyssa, que estavam no bar.  – sem encrencas vocês duas, hein? Encontramos vocês depois. – Dessa vez falei para todos que ficariam na taberna.

 Olhei para os dois que me acompanhariam e depois para o buraco na parede. Um desgraçado havia se aproveitado da situação e roubado o velho, foi esperto, porém azarado.  Ragil foi à frente e pegou espadas novas, arqueei uma das sobrancelhas e cruzei os braços.

 -Receio que não usaremos violência de inicio, o ladrão pode fugir. Pode ser um desgraçado, mas com certeza não é burro. – Olhei para Yuusha e depois voltei a observar Ragil. – Ele já viu nossos rostos, pois roubou o velho depois de eu falar com ele, então ele provavelmente já vai deduzir o que pretendemos. Se for inteligente o bastante ele vai tentar nos convencer com sua lábia de que não sabe de nada, e dar um jeito de esconder o ouro. Porém, se for burro o suficiente, ele vai correr e tentar fugir. – Suspirei. – Não sabemos onde vamos encontra-lo, em que tipo de terreno, se vai ser na floresta ou em uma aldeia. Devemos ser cautelosos, pode haver mais pessoas com ele. Não sabemos o que nos espera mais a frente, por isso se eu fosse você só usaria violência apenas quando fosse realmente preciso. Eu estou com tanta vontade de bater nesse cara e de enfiar coisas pontiagudas em sua bunda quanto você, Ragil. Porém só nos resta esperar uma chance de espancar o cara.
 
 Depois de tanto falar, fui andando em frente e observei o chão, com alguns anos de experiência eu sabia seguir rastros.  Pelo modo que estava a terra e alguma das folhas meio amassadas, ele havia chegado por um lado, porém ao sair da taberna foi para outro lugar. Olhei para Yuusha e Ragil.
 
 - Ele foi para aquele lado, só precisamos seguir o rastro que ele deixou.

 Percebi que estava descalça, mas isso não me incomodava, era até melhor ficar descalça. Minhas adagas estavam presas na minha batata da perna por um tipo de cinto que era feito especialmente para segurar laminas. Minha roupa estava dobrada e guardada dentro de um saco de pano que prendi na cintura. Não saber o que iria acontecer era bom, e ruim, não havia como fazer planos centrados, iríamos fazer tudo no improviso, porém às vezes era o improviso que deixava as coisas mais emocionantes. Segui a trilha, esperando que os dois fizessem o mesmo.

Me surpreendi pelo fato de Lyanna me oferecer algo; ela nunca me daria um saquê sabendo nas possibilidades que eu ficaria depois de beber. Mas, apenas uma garrafa não iria me matar — e estava me dando uma água na boca. Já estava cansada, e aquilo me faria descansar um pouco. Peguei a garrafa que ela havia me dado e dei um gole.

— Obrigada Lyanna! — sorri.

Afinal, ela era minha amiga. Mesmo com a atitude irônica e nervosa dela, ela ainda para mim seria uma amiga. Apenas observei o restante irem em direção à algum lugar; não sabia do que se tratava e nem queria saber. Estava andando e indo em direção a porta da taverna — que se encontrava toda destruída — e sentei em um banco que estava por ali. Pelos estragos que eu e o resto fizeram na Taverna; com certeza fui despedida do emprego. Não que eu ligasse, mas era uma diversão para mim limpar as coisas.

— Ah, mulher, fala sério. Qual é a graça de perseguir alguém quando não se pode bater nessa pessoa? — respondi.

Puxei um pouco o rapaz branquelo, pois ele era meio lento. Lembrei que nem mesmo sabia o nome dele, então perguntei, pois sempre chamá-lo de albino me incomodaria um pouco:

— Garoto, vamos logo! Ah, e qual é seu nome, mesmo? E o seu? — indaguei para o albino, logo depois me virei para Nightingale. Claramente, ela não tinha esse nome estranho. Desejei que não fosse, pois era realmente difícil para mim falar aquela palavra.

Olhando para a frente com atenção, pensei ter visto alguém correndo lá na frente. Eu preferia não seguir a trilha que a loura encontrou, pois caminhos assim só nos atrasam. São completamente desnecessários. Disparei a correr, desembainhando as armas. Percebi que as pessoas que estavam pela rua me olharam estupefatas... seriam meus futuros fãs?

O pequeno elfo ansiou empolgado em vir conosco, acabando por se aproximar rapidamente do pequeno grupo que se formava diante da cratera na parede. Por mais que tivessem pequenas discussões entre ele e Ragil, ele parecia gostar bastante dela. De qualquer maneira, Ragil acabou não concordando com sua decisão e o ordenou para que fica-se. Ela parecia se importar um pouco com ele. Isto me trazia certo conforto. Afinal, isto era uma grande prova que possivelmente Ragil não seria o tipo de pessoa que demonstra ser.

Antes de realmente irmos em busca do ladrão, Luna pronunciou algumas palavras e dentre elas, havia uma dedicada à mim. — Pode deixar! — Respondi empolgadamente enquanto minha mão repousava em frente á minha testa como uma posição de sentido.


Logo após, acabamos finalmente saindo da taberna em busca do ladrão. Ragil por sinal, acabou indo na frente. Parecia estar um tanto apressada. Já Nightingale continuou em seu ritmo natural, apenas analisando cautelosamente cada detalhe. Ela parecia entender bastante sobre o assunto, oque acabou me constrangendo um pouco. Meio minuto depois ela encontrou uma suposta trilha deixada pelo ladrão, oque soava mais lógico na situação. Sem questionar acabei à seguindo.

Ragil me puxou pelo braço para que eu anda-se mais rápido. Por mais que aquilo não fosse algo muito constrangedor, acabei ficando um tanto envergonhado. — Yuus... —  Antes que pudesse completar minha fala, Ragil saiu correndo atrás da primeira pessoa em que pensou ter visto correndo um tanto á frente. — Ra-Ragil? — Disse correndo meio caminho atrás dela porem, por não ser uma pessoa de decisões, acabei por parar e olhar para Nightingale que ainda permanecia seguindo sua trilha. Me senti extremamente confuso sobre qual decisão tomar e acabei ficando por ali mesmo. Podia ver facilmente o homem no qual Ragil corria atrás e um pouco da trilha de Night. Assim retornaria para Night caso aquele não fosse o ladrão.

Aproximei-me do safado e, com um puxão de cabelo, virei seu rosto para mim. Era uma mulher de cabelos curtos, que corria para acudir seu filho que levara um tombo bem feio. A expressão de medo da mulher ao me ver foi engraçada e penosa ao mesmo tempo; parecia ter visto um fantasma. Soltei seu cabelo rapidamente, e, envergonhada, olhei para minha mão. Um tufo dos cabelos da mulher havia sido arrancado e eles realmente fizeram falta na cabeça dela, que já tinha poucos fios. Curvei-me em um pedido de desculpas e voltei para perto de Nightingale e do rapaz, que disse se chamar Yuu ou algo do tipo.

Vi que ele estava bem corado por algum motivo. Não me interessei em saber que motivo seria aquele, mas era vergonhoso ver um garoto bonito daquele jeito, mesmo que mais novo do que eu, me olhando com aquela expressão. Virei o rosto, disfarçando.


— Qual é a dessa cara vermelha?

Lunairetic nos disse que permaneceria na Taverna, e que poderia ajudar com o conserto do lugar. Bom, é melhor assim. Espero que ela possa ficar de olho no pirralho também, já que Ragil proibiu sua ida. Por fim, Nightingale deu um aviso, como aqueles de mãe, para que não aprontássemos nada. Sim... Como aqueles de mãe.

Alyssa, sorridente, aceitou de prontidão o saquê que ofereci-a. Era bom vê-la alegre, pois havia acabado de enfrentar uma árdua batalha. Enquanto os outros procuram o ladrão, nós ficaríamos aqui. Bebendo, no caso dela, e conversando. Embora eu quisesse relaxar, isto me deixava um pouco inquieta. Sempre fui do tipo que toma as iniciativas, e faz tudo sozinha. Era estranho contar com a ajuda de tantas pessoas. Afastei esses pensamentos; apenas para me preocupar com outras coisas.

Vi Alyssa sentando num banco próximo à porta, então puxei um outro que estava por perto, e sentei ao seu lado. Eu tinha muitas questões em mente, e talvez eu pudesse esclarecer algumas coisas conversando com ela. É... Eu só não sabia direito como começar. Conforme acomodei-me na cadeira, naturalmente cruzei as pernas. Porcaria de modos. Já fazem três anos que abandonei a vida de princesa, mas continuo agindo como uma. Se bem que, talvez por ainda usar vestidos repletos de babados (o que não era o caso no momento, pelo menos), passar a imagem de "caçadora malvada" seria impossível. Então, que seja.

Nightingale ser uma pessoa focada em seus objetivos é um fato, e me deixou bastante pensativa. Eu queria ser assim também. Apesar de que eu não almejo outra coisa senão matar Magnus, estou sempre desviando-me desta meta. Três anos, e não cheguei a lugar algum. Se não puder concretizar minha vingança, o que eu poderia fazer? O que mais eu poderia fazer?

Droga. Por algum motivo, isso me soa estranho.

— Alyssa... — comecei, chamando sua atenção. Fiz uma pausa por alguns segundos, formulando melhor a pergunta que eu faria. — Além de caçadoras... O que nós duas somos? — indaguei. Após desviar os olhos, voltei a encarar minha companheira firmemente, aguardando uma resposta. Havia uma expressão diferente em meu rosto.

É verdade. Eu não almejo outra coisa senão matar Magnus. Além disso, o que mais me resta? Uma vez que ele estivesse morto... O que eu faria?

Antes que eu pudesse pensar em dizer meu verdadeiro nome ou não, Ragil saiu correndo atrás de alguém loiro mais a frente que corria, apesar de que aquela pessoa não estava no final do rastro. Bufei e olhei para Yuusha, que parecia perdido, seu rosto estava meio engraçado o que me fez abafar uma risada. Continuei a seguir o rastro, e após um tempinho Ragil voltou e falou com Yuusha meio envergonhada. Disfarcei estar séria quando queria rir.  

Continuei o rastro, que acabou no meio de uma multidão o que me deixou meio confusa, porém segui meus instintos. Olhei para trás esperando que os dois ainda estivessem atrás de mim.

-Ele foi no meio dessa multidão, mas ainda consigo acha-lo. Não se percam - Por algum motivo me dirigi mais a Yuusha do que pra Ragil. - e não arrumem encrenca - Agora me dirigi mais para Ragil do que para Yuusha, contanto, com motivos óbvios. - por favor.

No meio da multidão havia muitos loiros, porém nenhum deles eram com o rastro. Pelo que notei, o rastro mostrava que o ladrão(Que engraçado chamar outra pessoa de ladrão.) havia se escondido em vários lugares e entrado no meio da multidão. Mesmo no meio da multidão, graças a minha experiencia modéstia parte, consegui distinguir seus passos dos outros milhares, pois ele corria e seus passos mostravam que ele estava mais pesado do que quando ele chegou na taberna, ou seja, carregando o ouro. E, para minha surpresa, os rastros levavam para um celeiro. Andei até a porta do celeiro e avistei um rapaz loiro e jovem, como a descrição do velho, e ele estava adormecido em cima do feno. Levantei um pouco meu vestido e retirei uma de minhas adagas sem fazer barulho, e olhando para Ragil e Yuusha levantei o dedo até na frente de meus lábios e pedi silêncio.

Fui até o rapaz devagar, silenciosamente e notei que ele tinha uma mochila e um machado, apenas pensei que o ouro estava na mochila. Peguei seu machado delicadamente, fazendo o máximo esforço para que ele não acordasse e então fiz para que os dois se aproximassem, porém silenciosamente, e então pedi que Yuusha segurasse o machado do rapaz. Então subi na pilha de feno, dei um tapa bem forte e sonoro no rosto do rapaz, puxei ele por seu cabelo, o fazendo sentar a minha frente e botei a adaga no seu pescoço, fazendo pressão.

-O senhor foi bem descuidado, ladrãozinho de merda. - Olhei para Ragil e Yuusha. - Que tipo de punição devemos fazer com um rapaz tão descuidado? - Sorri do mesmo jeito que havia sorrido na taberna, meu sangue estava fervendo, meus olhos poderiam facilmente ficar amarelos, como os de lobos.

Nightingale conseguiu encontrar o ladrão mais rápido do que eu esperava, admito. Mas ainda achei que meu método de apenas sair arrancando os cabelos de todos os louros que visse pela frente seria mais fácil. O que ela disse sobre torturá-lo me pareceu bem divertido e resolvi participar também.

— Pendurá-lo de cabeça para baixo por algumas décadas, que tal? — falei, rindo com as mãos na cintura. — Não, não... Parece-me gentil demais.

Fui para perto do rapaz e inclinei-me por cima dele, o fitando de cima a baixo com desdém. Então, olhei para Nightingale e sorri erguendo as sobrancelhas. Tive uma ideia.

— Já sei. — determinando o que faria, aproveitei que o cara estava imobilizado por Nightingale e bati o mais forte que pude em seu estômago com o cabo de uma das espadas. Não queria machucá-lo gravemente, mas ainda assim desejava castigá-lo por ter se metido comigo. Ou melhor, como eu estava em grupo, por ter se metido conosco.

Peguei o ouro e prendi a sacola na cintura.

— Vamos devolver o dinheiro para o Velho. Mas, o que mais faremos com o ladrão?

Como de fato eu havia imaginado. O homem que Ragil supostamente pensou ser o "nosso ladrão", na verdade não era. (Pior ainda, era uma mulher.) Assim como havia descrito retornei para a trilha de Nigth, percebendo que ela parecia rir debochadamente sobre o feito falho de Ragil. Não que não tivesse sido algo engraçado mas, não cheguei a rir sobre aquilo.

Poucos minutos depois, Ragil também retornou para a trilha, contudo, ela não parecia ter notado que Night havia rido dela. De certa forma fiquei um tanto aliviado. Mesmo que agora acha-se que Ragil era uma pessoa que se preocupava com os outros, havia maturidade o suficiente para entender que ainda continuava sendo aquela garota temperamental. Ela percebeu facilmente que minhas bochechas tinham se corado anteriormente e exclamou. — N-Não é nada. — Respondi envergonhado, também desviando um tanto meu rosto por perceber que ela havia bufado para si mesma.

Aquela pequena conversa não se estendeu por muitos minutos. Night rapidamente tomou à frente, voltando à seguir a trilha de rastros que o ladrão havia deixado.Pude perceber assim como Lyanna que Night parece realmente ser centrada em seus objetivos. Oque de certo modo era algo bom.

Apenas continuei à seguindo. Passamos rapidamente por toda aquela multidão que se formava por ali. Fato este, que se decorria por ali haver uma pequena feira, onde se vendiam dos mais variados produtos. Porem, nenhum deles chegou à distrair um de nós. Apesar de eu levar alguns esbarrões de estranhos.

O plano parecia ter dado certo, a trilha de Night parecia terminar em um celeiro. Onde acabamos por encontrar um senhor que continha as mesmas características das quais Lyanna nos informara. Antes de Night partir rudemente para cima dele, ela me jogou um machado. Que aparentemente pertencia ao ladrão. Não era tão pesado mas, ainda sim, tal pressão me fez flexionar os joelhos por alguns instantes. Logo em seguida, Ragil partiu verozmente para cima dele, o espancando certeiramente na região do estomago. Enquanto observava a cena um tanto preocupado, pude notar algumas gotas de sangue escapulirem de sua boca.

— Ra-Ragil? Night? Precisamos mesmo feri-lo? —  Me senti um tanto inseguro com minha pergunta. Afinal, Ragil e Night pareciam realmente estar se divertindo enquanto o espancavam, oque me deixava um tanto desconfortável.

Parei por um momento, com a espada invertida nas mãos, e olhei para Yuu-alguma-coisa.

— O que você acha? É CLARO QUE PRECISAMOS! — exclamei, surpreendida com aquela pergunta boba. Atirei a espada restante para o albino— Vamos lá, garoto. Você se sentirá aliviado depois de bater um pouco, também. Se esse cara não quisesse apanhar, ele que não tivesse roubado. São as consequências do ato dele, entendeu? Ele pediu!

Recuei, dando espaço para que ele avançasse e começasse a bater um pouco no rapaz, também. Não senti a menor pena dele, pois a surra era merecida. Lembrei-me de quantas vezes eu já apanhara quando era criança sem motivo algum... Apanhar sem ter feito nada é realmente algo ruim, mas quando fizemos é completamente aceitável, é claro. E era justamente por ter feito algo que o loiro devia levar uma pisa daquelas.

Ragil e os outros estavam demorando. Comecei a ficar preocupado com o que eles estariam fazendo, se teriam achado o ladrão ou não... Se o encontraram, provavelmente minha companheira e Nightingale já o trataram educadamente, como faziam sempre... Parecia que Lyanna estava se questionando com a outra garota. Um drama e tanto, de dar pena.

Percebendo que Lunairetic estava quieta e eu também, decidi puxar assunto. Então, disparei a falar o que vinha na mente.

— Então, Luna, de onde você veio? Quantos anos você tem? Pode fazer uma arma pra mim? Oh, que linda essa pintura no seu rosto! Que tinta usou? Que horas você acha que são agora? Mmmm, estou com dor nos pés e minha barriga protesta de fome. Há quanto tempo você não corta o cabelo? Mesmo comprido, está bonito. A Ragil nunca deixa o cabelo crescer, apesar de que ela ficaria ainda mais bonita com ele grande. Espera... Não que eu a ache bonita atualmente. Ah, você entendeu, né, Luna? Você é uma boa pessoa. Gosto de gente assim que nem você, que tem assunto e conversa. Não costumo falar com muita gente, porque todos dizem que eu falo demais. Você acha isso? Bem, eu não acho.

Olhei para Lyanna um instante; ela parecia perdida em seus pensamentos. Eu conhecia ela muito bem, e para isto lhe acontecer com certeza havia acontecido algo. Não que refletir sobre a vida e ficar perdida em seus pensamentos não fosse algo normal — pois já acontece bastante comigo isto — mas pelo fato que ela já sabia e havia planejado o seu futuro. Ou talvez... Não? Isto também passou pela minha cabeça naquele momento, o que talvez, faríamos se conseguirmos deter Magnus? Não saberia o que fazer, muito menos para onde ir. Com certeza já perdi o meu emprego depois desse estrago todo na Taverna, então não sei onde mais poderia trabalhar. Fui expulsa do meu reino natal, o Lado Quente, e também minha casa havia sido destruída. Então... Isto seria um problema.

A pergunta que Lyanna me fez, era de uma pergunta um tanto... Filosófica. Aquilo realmente era bom parar pensarmos, ambas não saberíamos o nosso futuro. Principalmente ela, que havia perdido sua mãe que lutara contra o Magnus. Após sua vingança de matar Magnus, o que ela iria fazer? Voltaria para o castelo? Eu realmente me preocupava com ela, pois ela era minha amiga. Talvez, ela iria me esquecer? Não, eu não queria aquilo, definitivamente não. Ela era a única amiga que eu tinha naquele momento, não queria perder mais ninguém.

Dei um gole. Talvez um saquê iria me ajudar a pensar sobre isto. Mesmo sendo uma coisa difícil, era essencial pensar. Mas, eu estava demorando muito para responder Lyanna, ela já estava quase no vácuo.

— Nós somos amigas — sorri. Era uma resposta curta para uma pergunta que envolvia nossos pensamentos, mas era de coração. — Mesmo quando conseguirmos vencer Magnus e o grupo de caçadores acabar, nós sempre iremos ser amigas! — disse, num tom alegre.

Esperei por uma resposta de Lyanna. Iria pensar mais sobre isto em algum outro momento.

Sorri com a pergunta do rapaz, que havia ficado sem ar por um tempo graças a Ragil. Ela quis que Yuusha batesse no garoto também, porém eu tinha certeza de que ele não se sentia confortável fazendo aquilo.
-Ragil, por favor, deixe o Yuusha, bater nas pessoas não é muito a praia dele. - Olhei pra ele, que parecia meio inseguro. - Não precisa bater nele.
Depois voltei minha atenção novamente ao garoto que segurava. Chance? Coitado. Soltei um pequeno "pff" antes de começar a falar.
-Chance ao adversário? É assim que você se considera? Para começar, você é uma vitima e não um adversário. E eu não vou lhe dar uma chance garoto, não preciso sentir pena de alguém que atrapalha a minha missão. Eu vou me dar uma chance. Hoje em dia ainda se fala de lutas justas? Sabe rapaz... Eu acabei de sair de uma luta feia, a garota que lutava comigo tinha toda a vantagem e eu consegui virar o jogo, se você não funciona sem o seu machado, sinto muito. - Fiz pressão no pescoço do garoto com a adaga. - Eu sei como é depender do roubo para sobreviver, você certamente foi azarado ao roubar esse ouro. Eu poderia deixar você simplesmente sair correndo daqui como se não houvesse amanha, mas isso não parece nada divertido, sabia?
Olhei para Ragil e Yuusha, que estavam a nossa frente.
-O que devemos fazer? Resolvemos aqui, levamos para ver o que fazer com ele com Lyanna? Acho que levar pra Lyanna seria desnecessário, o pessoal está descansando, não precisamos atrapalhar eles. E o que devemos fazer? Deixar ele ir ou mata-lo aqui? - Olhei pra Yuusha. - Preciso que pense nisso com a mente, não com seu coração, Yuusha. Tenho quase certeza que você quer que deixemos ele ir, porém pense nas consequências também. - Agora tornei minha atenção para Ragil. - E Ragil, por favor, não seja tão dura também, é a vida de uma pessoa que está em jogo aqui. Eu não me importo em mata-lo, já fiz muito isso, porém eu conheço várias outras pessoas que fazem a mesma coisa que esse rapaz todo santo dia, eu mesma já fiz. Apenas um roubo não é motivo de morte, pelo menos para mim, mas a decisão do que fazer com ele deve ser feita por nós três como um todo.
Olhei para o ladrão, eu me identificava com ele, por isso não achava que mata-lo seria necessário, e com certeza não agradaria Yuusha, do jeito que eu já percebi que ele é. O rapaz merece alguma punição, só não consigo pensar em qual, o que está e irritando no fundo de minha alma.

Pensando bem, ele realmente não merecia morrer por tão pouco. Poderia ser útil, talvez... fazer um ensopado de ladrão para o jantar parecia delicioso. Ou não. Mesmo assim, eu ainda pensei que ele devia sofrer um pouco por ter se metido a besta.

— É, você tá certa — falei, contrariada e evitando olhar para Nightingale. Odiava admitir que outra pessoa tinha pensado melhor que eu. —, eu já bati nele e peguei o dinheiro de volta... Mas pode ser perigoso deixá-lo ir. Não se sabe se ele tem capangas por perto ou algo assim, e eles podem nos surpreender e ficaríamos em apuros. Faça-o jurar que não fará nenhuma gracinha.

Após minha indagação repentina, eu esperava de forma apreensiva que minha companheira respondesse. Pela sua demora, ela deveria ter achado, no mínimo, estranho. Afinal, o que deu em mim para dizer algo assim, do nada? Porém, para minha surpresa, ela não deixou isto simplesmente passar. A pergunta que, para mim, era aparentemente sem resposta, recebeu uma simples e curta vinda de Alyssa:

"Nós somos amigas."

Aquilo teve um certo impacto em meus pensamentos, bem maior do que eu imaginava. Embora, vinda de Alyssa, eu poderia esperar qualquer tipo de resposta, não achei que ela me diria isso. Mas, no fim, era a mais pura verdade — e cessou inúmeras dúvidas minhas.

Exatamente. Nestes três longos anos, eu não estive "apenas" caçando Magnus. Eu era, e continuo sendo, amiga de Alyssa. O modo como nos conhecemos, sendo colocadas juntas num time, foi tão natural que nem percebi. Conforme os dias passavam, nosso laço ficava cada vez mais forte. E, assim, podemos finalmente dizer: "Nós somos amigas."

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Minha reação, de imediato, foi esboçar um sorriso. Quem diria que ela teria a resposta certa para mim? Eram nesses momentos — e não aqueles em que ela estava bêbada — que eu tinha orgulho de estar ao lado dela. É claro, isso não era o suficiente para esclarecer o que eu faria a seguir; mas enquanto eu tivesse-a comigo, sóbria ou não, não haveria nada para temer. Parei de encará-la, virando-me para frente, e voltando à postura usual. O sorriso foi diminuindo aos poucos, mas não deixou meu rosto.

— É, você está certa. — falei de forma espontânea, aliviando um pouco o clima sério — Acho que terei que continuar andando com você por um bom tempo. Afinal, quem é que vai te impedir de ficar bêbada? Se bem que agora você não tem muitos motivos pra vir aqui, não é? — ri. Mas não era um riso irônico, para caçoar dela; eu estava me divertindo um pouco, finalmente.

Permaneci segurando o machado com minhas duas mãos enquanto esperava uma resposta. Ragil, pareceu querer me forçar a machucar o senhor loiro. Jogando a espada que acertou bem em minha testa — A face que não corta, claro — que logo após caiu no chão. Ragil pareceu berrar algo estressada mas, apenas me encolhi por alguns segundos.

Antes mesmo que pudesse responder à Ragil, o ladrão acordou e pareceu estar um tanto perdido de inicio. Porem, em seguida supostamente sugeria para que Night o desse alguma chance de se defender ou algo do tipo. Fato que por sinal, não havia sortido efeito. Night era completamente focada em seus objetivos e sabia que a oferta dele traria certos riscos. Ela futuramente poderia vir a se tornar uma excelente líder de um grupo.

Night pareceu me defender me dizendo que não precisaria de me preocupar em bater no rapaz. Suas palavras foram doces e gentis. Por mais que aquilo fosse repentino, não esperava que ela entenderia minha maneira de pensar e agir tão facilmente, e muito acima disto, respeita-la. Apenas fiquei excessivamente feliz pelo que ela havia dito. Pensava comigo mesmo, que ela estava se tornando uma pessoa mais próxima à nós, e possivelmente em consequência disto, até mesmo uma pessoa mais bondosa.

Night, apesar de tudo, acabou perguntando sobre oque faríamos com ele. Primeiramente pensaria em perguntar se simplesmente não poderíamos deixa-lo por ali mas, Night ao compreender minhas ações pediu para que eu tomasse uma decisão um pouco mas, maldosa. Ragil como sempre, respondeu primeiro. Antes que eu pudesse responder algo também, duas pessoas adentraram no celeiro e o ladrão conseguiu sair da chave que Night havia feito para mante-lo preso e indefeso. Acabei me surpreendendo um pouco quando seu machado repentinamente sumiu de minhas mãos e retornou as dele.

As pessoas que adentraram no celeiro pareciam reclamar conosco, já o ladrão — Sem se preocupar com as duas pessoas enfurecidas por terem intrusos — se preparava para um combate. — N-nos... — Falava um tanto desorientado, não sabia se tentava esclarecer a situação aos senhores ou se tentaria parar a briga entre o ladrão e as duas. Corri para Night e à abracei por trás sussurrando à um tom que somente ela ouviria. — Por favor! Nos não precisamos machucar ninguém!

-Merda. - Falei baixinho quando duas pessoas entraram no celeiro, nos enxotando, e o ladrão aproveitou a deixa para empurrar meu braço.

Olhei para o rapaz loiro com toda a raiva que eu sentia, e então do nada senti alguém me abraçar. Yuusha pedia para não machucarmos ninguém, o que me fez ficar mais calma. Nessa situação atacar o rapaz não iria trazer nenhum beneficio e a guarda poderia ser chamada, as duas pessoas viram meu rosto e poderiam fazer um retrato falado para a guarda vir não só atrás de mim, mas de Yuusha e de Ragil e isso não seria nada bom para a missão.

Afaguei o cabelo de Yuusha, enquanto olhava para o ladrão formando palavras com a boca, porém sem som. "Se livre do machado por agora". Então levantei e fiz a cara mais inocente que consegui, o que foi fácil.

-Ai moço, desculpa. - Fui indo para perto do velho ranzinza despreocupada e fazendo gestos com as mãos. - Meu irmão é um tremendo idiota! Ele brigou feio com mamãe e então saiu correndo como uma criancinha. - Falei indicando o ladrão, sua semelhança física comigo faria essa mentira parecer real. - Eu e meus amigos saímos a sua procura por toda a parte! Só agora o achamos dormindo por aqui. - Então fiz um gesto de desculpa exagerado e falei em alto e bom som. - Peço mil desculpas em nome do meu irmão, já estamos de saída, quanto mais tempo estamos aqui, menos tempo nós ajudamos mamãe na colheita, ela tem feito tudo sozinha desde que papai morreu, então tento ajuda-la sempre que posso. Mas esse aqui não ajuda muito. - Choraminguei um pouco.

O velho pareceu ficar convencido, isso é tão fácil.

-Oh, então foi isso. - Ele olhou com raiva para meu "irmão". - Vocês estão numa situação precária e ainda faz isso com sua mãe e irmã? Você deveria cuidar delas, não o contrário! - Então ele se virou para mim. - Garota, eu sei que não é muito mas... - Ele retirou algumas moedas de ouro do bolso. - Aqui tem 20 moedas de ouro, isso pode ajudar num dia de jantar.

Peguei a merreca fingindo estar completamente emocionada com a ação do velho.

-Muito obrigada senhor! Vamos aproveitar cada moeda! - Precisamos sair daqui antes que ele faça alguma pergunta. - Então estamos de saída obrigada pela compreensão e pela ajuda, aprecio muito isso, senhor.

Fui saindo e empurrando o ladrão, esperando que Yuusha e Ragil nos seguisse.